segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

ORPHEUS IN DER UNTERWELT - LETZTE VORSTELLUNG Operette von Jacques Offenbach Mit Unterstützung der TheaterFreunde Freiburg

Dia 25.02.2012 assisti a opereta Orpheus in der unterwelt - Orpheu no Inferno. Uma leve e divertida opereta que chama a atenção pela mescla de teatro e ópera. Há muitos trechos de diálogos falados. Outros cantados. No segundo ato, uma longa cena de um ator/cantor  vale todo o espetáculo. Um clown (sem nariz) e sua relação com Eurydice, com casacos, com uma caixa e com portas. Fantástico.


Foto: www.theater.freiburg.de

Foto: www.theater.freiburg.de

Ação é História

É curioso como a cada nova cena o diretor senta com os atores e fala sobre a referida cena. Há uma análise de significados e depois a ação. Não é uma leitura de mesa e nem uma análise semiótica, mas, uma conversa sobre intenções, ação, sobre perguntas. Oque faz? Porque faz? etc.

Eles analisam a trajetória da ação do personagem e da cena. O que move os personagens? Que ações e que intenções?

"É importante você construir a imagem deste estado, desta situação, desta sensação." Thomas Krupa

É interessante perceber como na ópera a música oferece o tempo ritmo da ação tanto para a ação quanto para a fala. É preciso, porém, ajustar a conexão com o ritmo da música. Nesse sentido, a estrutura de ação aparece  como sendo o "onde olhar e onde não e por quanto tempo, para onde vai e porque, qual a intenção, o desejo, qual a trajetória no espaço." A ação, porém, não pode ilustrar o ritmo da música. Não pode ser uma dança no compasso da música ou fica entedioso e brega.

Como o canto é físico e absolutamente concreto, não há espaço para sentimentalismos. Há espaço apenas para conexão e ajustamentos.

É ótimo ver a atitude de Thomas o tempo todo. Muito paciente, amável e gentil com os cantores e com a equipe. Todos dizem muito "por favor", "desculpa", é legal.

Hoje me perguntei: O que tem a ópera que o teatro não tem e o teatro que falta à ópera e vice-versa? Percebo que na ópera há algo bom que falta ao teatro. Principalmente após assistir a uma peça de teatro aqui. Seria ação e história? Seria drama?

Há um detalhe do processo de elaboração de marcas. Um delicado processo de direção de movimentos a partir do que os cantores propõem. Neste processo, faz-se também uma análise das cenas e da ação.

Thomas citou Heiner Müller... mas, não consegue entender bem... chato!!!

Não é bom formalizar...

Cenário de ensaio - Quarto de Gilda
Ensaio do dia 14.02.2012 - Primeiro Ato - Encontro de Rigoletto com Sparafutille

Hoje logo cedo tive uma boa intuição sobre a presença de uma cama no espaço de ensaio. A cama havia sido experimentada no cenário, mas, como não funcionou havia sido removida. Minha intuição era para retirá-la, mas, não o fiz. Depois, o diretor chegou e falou para a assistente de palco e cenografia: tirem esta cama daqui, ela atrapalha. É interessante falar um pouco desta função, do Büehnebild. Por um lado seria o equivalente ao cenógrafo, contudo, esta função aqui na Alemanha é ampliada e este profissional é o responsável pelo palco: cenário, efeitos, entradas e saídas, iluminação (embora haja um iluminador), maquinaria, tudo que envolve o palco. É ele que dialoga com os técnicos do teatro e coordena a montagem.

Aktiv - aktivität

Thomas insiste novamente nestes dois termos. Ele quer que eles estejam continuamente ativos no palco. Estar ativo é contínuo. Não é estar com Stops (diz Thomas). Isto me fez prontamente lembrar de Grotowski e desta forma, entendi que o trabalho do encenador polones, seus princípios, são aplicáveis na ópera e sem tanto misticismo.

Pensei em como seria se houvesse um trabalho de improvisação anterior ao canto. Um trabalho no qual eles pudessem experimentar e fisicalizar as ações e a situação. Por vezes há alguma coisa que parece separar o canto da ação e é realmente complexa esta relação. No canto, há uma partitura extremamente rígida e existe um esforço para alcançar notas específicas. Por outro lado, me parece absolutamente possível desde que um guie e esteja conectado no outro e vice-versa.

Após algumas passadas da cena, Thomas disse: é bom não formalizar o que foi criado. Este ponto me pareceu complicado no trato com os cantores. Rapidamente tudo é formalizado, basta o diretor dizer: "isto é bom". Poderia fazer aqui um paralelo com Anne Bogart quando ela diz que um dos princípios da encenação é "a necessária violência", ou seja, quando o diretor ou o próprio ator decide: "é isto". A partir deste momento é preciso que "isto" seja repetido em estrutura e fluxo.

Contudo, o grande problema da cena ainda é a falta de conflito. Verdi colocou conflito na cena, mas, é preciso que os cantores compreendam a lógica dos acontecimentos e gerem conflito na ação. A estratégia de Thomas é sempre pelo jogo. Seu foco está sempre no real, no aqui, no palco, nas pessoas. A palavra alemã spielen me parece muito apropriada no processo creativo com atores. Tudo é jogo. Spilst du... brinque, jogue, atue. Contudo, me parece que há uma leveza no termo quando empregado em alemão. Falo de uma leveza que reverbera no psicológico do artista. Quando o diretor diz: Spilst du.. Não sinto o mesmo peso de "interprete", "atue" ou mesmo o nosso "jogue" ou "jogo" no português. Talvez para um alemão o peso seja equivalente, vielleicht!!!

É interessante que venho percebendo no decorrer dos ensaios onde podem caber determinados exercícios ou jogos para auxiliar na solução de determinada cena.

Ao final, passamos todas as cenas desde a visita de Rigoletto à Gilda até a chegada de Rigoletto novamente na cena. Depois, Thomas falou dos problemas e conquistas. Eu fiz o papel de Giovana (a cantora não pode vir) e do Coro que não está nestes ensaios ainda. É divertido. Brinco com Tim dizendo que quero um cachê pois estou fazendo todos os personagens da ópera.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Activ

Lohengrin - Oper de Richard Wagner no Theater Freiburg
lo
Realmente ficou difícil escrever retroativamente sobre o processo. São muitas informações. Mas, vou tentar.

Ensaio do dia 13.02

Trabalhamos com o dueto de Rigoletto e Gilda. Pai e filha se encontram no quarto onde Gilda é mantida "protegida" sob os cuidados de Giovana. Rigoletto acabou de ser amaldiçoado por Monterrone e se encontrou com Sparafuccille. Está transtornado e busca refugio e paz nos braços da filha. Única referência de bondade para ele no mundo uma vez que em sua percepção todos e tudo ao seu redor é sujo, mau, desonesto. Sua filha é um oásis de pureza ainda não corrompido e deseja mantê-la assim.

Na concepção de Thomas, Gilda é uma jovem mantida criança. Seu quarto é um verdadeiro quarto infantil e seu acalanto são as suas bonecas. Contudo, deseja conhecer os prazeres carnais. Esconde revistas embaixo do colchão e no fundo deseja sair daquela prisão.

Após a ária em que Rigoletto desabafa sua angustia, ele entra no quarto da filha que dorme. Inicialmente fazem brincadeiras normais de um pai com uma filha criança. Depois se acarinham e conversam. Rigoletto declara seu amor por ela e seu desejo de proteção. Ela, contudo, quer saber o nome dele, quer saber de sua pátria, quem é sua família. Sua busca obsessiva é por identidade.

Rigoletto fica bastante irritado. Fala de sua esposa diz ter sido ela a unica a amá-lo não se importando com sua deformidade. Mas, lamenta ter morrido.

Gilda deixa escapar que tem observado um certo homem nas suas idas à Igreja. Rigoletto se desespera e chama por Giovana. Esta garante que Gilda está protegida e Rigoletto se despede.

A cena é simples, mas, ao mesmo tempo tem muitos pontos de mudança. O fluxo de ação sofre guinadas bruscas a partir das perguntas de Gilda e, também, das respostas de Rigoletto. Estas mudanças são perceptíveis na música que é marcada por partes aceleradas e intensas e outras lentas e suaves. Thomas buscou trabalhar a percepção destes pontos de mudança e buscou plasmá-los em ação corporificada. O tempo todo seu discurso era: aktiv, aktiv. Ou seja, buscava ação no que os cantores estavam fazendo. Interessante que ação para ele não era fazer coisas. Mas, uma atitude no estar e no fazer. Não saberei descrever aqui, mas, foi muito claro na cena, muito visível. Trata-se, talvez, de uma qualidade de intensão, uma mobilização consciente de todo o organismo psicofísico. Contudo, é concreto, é técnico e muito simples.

Acho muito interessante perceber como o cantor que faz Rigoletto sabe aproveitar bem os elementos de cenografia e adereços para criar seu jogo. Utiliza-se das bonecas, da cama, do lençol, enfim. Cria sua estrutura a partir do jogo com estes elementos todos que estão disponíveis. Esta mesma característica foi suprimida do trabalho da Ária de Gilda quando Thomas diz para ela não recorrer aos elementos, mas, trabalhar numa estrutura simples, apenas ela. Ele dizia para não buscar ajuda dos elementos. Ela sentiu-se desnuda. Mas, este é outro ponto para refletir.

Como já disse, no decorrer do ensaio, Thomas conseguiu tirar coisas interessantes dos cantores. Basicamente sua estratégia foi levá-los ao entendimento da sequência de tarefas e mudanças de intensão. Nesse sentido é interessante relacionar com outra cena, quando o Duque e Gilda estão no quarto e entra Giovana avinda que Rigoletto voltou. A cena não está funcionando e o principal problema, me parece, é que os atores não estão conseguindo compreender a situação. Não conseguem elaborar a imagem da cena. Ou seja, é importante que os atores compreendam o que é a cena no sentido mais amplo disso e não apenas mentalmente, mas, como imagem, como atmosfera, logica de pensamento e ação.

Na busca de Thomas pelo Aktiv. Muitas vezes insistia no Blick. Ou seja, no olhar. Olhe para ele. Olhe para ela. Olhe para o público. O olhar parecia induzir o agir. O aktiv. Nesta cena ficava muito claro a ideia de ação e reação. Algo muito banal para atores, mas, no trabalho com cantores em uma ópera precisa ser o tempo inteiro recordado. Como eles tem a preocupação do canto e do acompanhamento do piano, é muito fácil direcionarem a atenção apenas para isto e para si mesmo. Esquecem, assim, o espaço e o partner de cena.

Fiquei me questionando e refletindo sobre o fato de que ação é como música. É fluxo e transformação. Porque eles conseguem ser vivos na música e não na ação e porque quando a ação se estabelece o canto se torna ainda mais vivo? As vezes, quando estão apenas no canto, é como se fosse vazio. Nada passa, nada atravessa. Aqui um paralelo interessante. Outro dia conversando com o protagonista sobre ópera tradicional e moderna, sobre escolas, estilos etc. Ele disse ser um erro considerar o tradicional diferente do moderno. No tradicional é possível fazer o mesmo que se está fazendo no moderno. Para ele o que se está fazendo no moderno é cantar e atuar buscando que algo passe internamente, buscando ser afetado foi o termo que usou. Talvez, seja esta uma pista para pensar em ação. Algo que ao ser feito te afeta e por consequência afeta quem assiste da mesma forma. Uma ópera sem ação é extremamente fatigante. Assisti Lohengrin de Wagner. Uma grande produção e era notório que eu permanecia atento e envolvido com o espetáculo nos momentos em que não era apenas um cantor cantando no palco.

Voltando a cena. Uma frase de Thomas foi interessante. Ele disse a certa altura: "Isto é um conflito e não uma depressão". Reclamava da falta do Aktiv nos atores.

Sala de ensaio com cenário de ensaio. 
Sala de ensaio.

Estudo de cenografia. Quarto de Gilda.

Estudo de figurino.

Estudo de Figurino.


Probe - Abend - 13.02


O ensaio a noite partiu da página 125 do libreto. O dueto entre o Duque e Giovana. Basicamente, o Duque entra no quarto de Gilda. Rigoletto já foi embora e Giovana é cúmplice. Gilda não sabe ainda que seu amado é o Duque de Mântua, para ela é apenas um estudante pobre da redondeza.

A cena tem momentos difíceis em função da confusão de intensões que tomam os protagonistas. É preciso, também, tomar cuidado para não ficar demasiada erótica ou exagerada no tom.

O trabalho no modo de trabalhar de Thomas, me parece, é o tempo todo descobrir as motivações internas da estrutura da cena. É descobrir as intenções e traduzir a situação que vem sendo trabalhada.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Atualizando

Acabei não conseguindo publicar diariamente conforme havia planejado. Uma lástima. Porém, o trabalho intenso e o frio me fazem querer dormir ao chegar em casa. De qualquer maneira, tenho feito meus registros no meu caderno e agora passarei a transcrever retroativamente. Vou aproveitar a folga do final de semana sem deixar, é claro, de curtir e conhecer o carnaval europeu.

A partir de agora, portanto, os posts virão acompanhados pela data do ensaio a que se refere. 

A foto ao lado foi feita no alto de Schlossberg. Um morro que há na cidade e onde outrora havia um castelo. Foi feita no domingo passado e o por-do-sol lá é deslumbrante.

Ontem, dia 16.02.2012, toda a equipe da Produção Rigoletto foi liberada do ensaio para assistir a ópera Lohengrin de Richard Wagner. Um trabalho realmente magistral. Neste link, algumas fotos: http://www.theater.freiburg.de/index/TheaterFreiburg/Monatsspielplan.html?SpId=35297







domingo, 12 de fevereiro de 2012

Sparafucille

Hoje trabalhamos a cena em que Rigoletto, após ser amaldiçoado se encontra com Sparafucille, um assassino de aluguel.
Ele se oferece para matar quem por ventura estiver perturbando Rigoletto por um preço baixo. Em toda a cena a ideia é persuadir Rigoletto a fazer algo que até então não havia pensado. Contudo, é a chance de Rigoletto vingar-se da nobreza que dele ri e resolver sua triste sina de ser bufão.
Na concepção de Thomas, Sparafucille é uma espécie de alter-ego de Rigoletto. Ele trabalha coma  imagem de um espelho onde Rigoletto enxerga seu outro lado. O lado escuro, cruel, assassino.
A cena é bem difícil e não conseguimos chegar a uma solução. O cenário estava posicionado de maneira distinta como se fosse os fundos da casa do primeiro ato. Nesse sentido, vale um parenteses para dizer que o diretor e o cenógrafo elaboraram um storybord com todas as cenas e mudanças de cenário. (Foto)

Maquete de Cenografia

StoryBord de Cenografia

Logo apareceram várias demandas de "Requisite" para a cena. Aliás, para todas as cenas do segundo ato. Estou responsável pela Requisite Listen que é a lista de elementos de cena. Ao surgir a necessidade por parte dos diretores e dos atores eles são solicitados no "Requisite". Um departamento onde há tudo que se imagina. O diretor, por exemplo, queria bonecas e brinquedos infantis. Fui ao "Requisite" e uma hora depois  funcionários trouxeram 30 bonecas, brinquedos e outras coisas. Não são os elementos oficiais, mas, os elementos de ensaio.

Durante o ensaio da cena com Sparafucille, observei algo nas pernas dos "atores/cantores". Estavam sempre rijas e posicionadas sem muita curvatura ou abertura de base. Questionei Tim sobre isso e ele disse ser normal esta postura por serem cantores. Contudo, não via a mesma postura em alguns atores/cantores (inclusive os que considero melhores e mais orgânicos) depois falei com Thomas sobre isso rapidamente e ele concordou que alguns tem a coluna travada na base no encaixe com o quadril. Principalmente os cantores orientais.

Me pareceu, nesse sentido, que não havia uma total compreensão dos atores/cantores sobre a situação proposta. O diretor estimulava-os à compreenderem a atmosfera e a qualidade de ação necessária, mas, faltava algo, faltava um certo contato, a fisicalização da ideia de espelho na cena. Estou curioso para saber como ele resolverá ela num próximo ensaio.

Acho ótimo perceber como há uma concepção de encenação muito bem elaborada, discutida e amadurecida entre diretor, cenógrafo, dramaturgista e figurinista. Os figurinos e acessórios estão presentes desde o início bem como um protótipo em tamanho real do cenário. 

Quanto a condução dos atores/cantores por parte do diretor. Thomas trabalha o tempo todo com a ideia de concretude. Olhar para o que é concreto no espaço. Para as pessoas que estão ali, para os objetos. Busca uma espécie de sinceridade na atuação deles, mesmo que estejam cantando uma música antiga e com uma estrutura bastante dura.

O tempo todo, também, o diretor trabalha com os atores/cantores, com o esclarecimento do que estão dizendo. O sentido das frases, das palavras. Como se trata de uma ópera italiana, contamos com a presença de uma consultora em língua italiana que tem por missão traduzir e esclarecer os sentidos do texto.

Ouvi Thomas dizer que é importante trabalhar primeiro com as cenas-chave do espetáculo. Ai vejo um importante principio de encenação. Ao resolver as cenas-chave, abre-se caminho cara uma melhor compreensão dos atores do seu fluxo de ação na obra. É nas cenas-chave que se encontram as pistas e a essência das relações propostas na obra.

Percebo, também, que as vezes não é o ator/atriz que não consegue fazer uma cena. A cena é que não consegue ser resolvida. Pode ser a interpretação, sim. Pode ser a composição, a concepção, um elemento, um signo, enfim, uma infinidade de fatores.

Thomas utiliza repetidas vezes a palavra Kontakt.

A noite trabalhamos com a cena em que Rigoletto vai até o quarto da filha. Quarto onde a mantem aprisionada. Fica com uma baba e tem autorização apenas para ir à Igreja. Contudo, a baba aceita propinas para o duque a possa ver.

Nesta cena, a um tom de leveza pelo encontro do pai com filha amada. Ao mesmo tempo existe uma dificuldade que reside no fato de que Rigoletto esconde muito dela e ela quer saber. Saber o nome do pai, saber da mãe. Saber porque não pode sair, porque tantos cuidados, etc. De certa maneira, ela quer uma identidade. Aquele quarto já não lhe é suficiente.

O ator/cantor e a atriz/cantora, excelentes por sinal, resolveram muito bem e rapidamente a cena. A estratégia é improvisação e ao poucos fixação de marca. É ótimo acompanhar o trabalho dos cantores. Como eles já tem o texto decorado e possuem um estrutura ritmica precisa. A única coisa a se fazer é encontrar as ações físicas corretas, a movimentação e conseguir estar entregue ao fluxo do canto. Conseguir cavalgar a música.

Segue uma foto com o caderno de registro dos ensaios. Há um sistema onde de um lado fica a partitura e de outro uma folha limpa para anotações. 

Livro Protocolo

Livro Protocolo do Regie Assistent







quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

SedanStraße

Hoje posso dizer que começaram realmente os ensaios. Foi um dia maravilhoso.
De manhã fomos até uma sala ampla onde estava montado um protótipo em tamanho real do cenário projetado e cuja maquete havia sido apresentada no primeiro dia "Konzeptionsgespräch".
O ensaio foi acompanhado por um pianista todo o início até a primeira entrada de Rigoletto foi marcado.
Gostei muito da metodologia de Thomas. Ele parece utilizar muitos princípios da escola Stanislavskiana na condução dos cantores. Basicamente seu trabalho é estimular os atores/cantores a agirem dentro da situação da peça. Foi interessante perceber que o tipo de estímulo por ele utilizado estava focado ativação do imaginário dos cantores. As improvisações eram repetidas várias vezes e finalmente a cena era marcada e fixada por Krupa.

Toda a equipe está presente no ensaio. Figurinista, Dramaturg, Consultora de Literatura Italiana e Tradução, Assistentes de Figurino, de Cenário e eu, estagiário de Assistência de Direção.

Chamou a atenção o modo absolutamente aberto de trabalhar de Thomas. Ele abre espaço para que todos participem e a opinião e toda a equipe é importante. Ao mesmo tempo existe um clima de grande seriedade e respeito na sala de ensaio. Ninguém fala ou ousa ficar se deslocando pelo espaço. Todos ficam atentos ao libreto e a cena.

Hoje, no primeiro ensaio ativo, percebi o quão potente é a música, o canto na construção da verdade na cena. É como se o canto já oferecesse a estrutura por onde o fluxo deve ser conduzido. De outra forma, há o ritmo já estabelecido e, portanto, vivo. Aos atores/cantores, basta encontrar a fisicalidade correta e a atenção dirigida à atmosfera e a situação que aquele ritmo e aquele texto estão propondo. Irei refletir mais sobre isto no decorrer do processo.

O contato, nesse caso, se dá na relação com o canto que é uma partitura matematicamente estruturada. É como se houvesse algo correndo e o cantor precisa apenas pegar firme na coisa e se deixar levar. Montar no canto como se fosse um cavalo cavalgando livre.

Estou muito feliz de acompanhar este processo, também, por causa da concepção. Aquilo que me trouxe à Alemanha, ou seja, o processo atualização de obras clássicas em encenações extremamente modernas está ocorrendo de modo bastante rico. É lindo ver aquele canto/texto clássico em uma situação absolutamente coerente com o século XXI, sem contudo, ser forçada, óbvia e não orgânica.

Pela noite, o trabalho esteve centrado no personagem central, RIGOLETTO e na composição do seu Clown. Me parecia evidente que aquele ator/cantor tinha elementos muito clownescos que bastavam ser expressos e ampliados. A estratégia de Krupa foi exatamente esta. Novamente pela improvisação e colocação do ator em situação, conseguiu levá-lo a atitude e atmosfera que a cena de abertura exigiam. O processo foi maravilhoso.

Voltei para casa hoje muito empolgado. É maravilhoso estar em um processo cênico tão profissional com uma estrutura tão grandiosa no entorno. Acho que gosto deste tipo de produção. Há um comprometimento muito grande por parte de todos os envolvidos. Não é um interesse voltado para a conquista de outras coisas, outros trabalhos, fama, etc. É mais uma atitude de oficio. De pessoas que fazem aquilo o tempo todo  e que depois deste projeto há outro e outro isto quando já não há produções agendadas.

Os cantores chegam no ensaio prontos, aquecidos e com os cantos (textos) decorados. Isto é fantástico. Embora pareça rijo, há espaço para criação, há espaço para experimentação e há espaço para sair do trivial e descobrir algo novo, espontâneo.

Não sai da minha mente a imagem de Thomas em contato com a equipe e os atores/cantores. Uma atitude de total entrega e abertura sincera e generosa. Ele parecia saber muito bem o que buscava e ao mesmo tempo queria ver o que os artistas tinham para lhe oferecer. Me lembrou um pouco a atitude do encenador baiano Luiz Marfuz.

Bem, por hoje escrevo apenas isso. Muitos pensamentos tenho registrado em um caderno. Infelizmente não tenho autorização e nem seria ético publicar neste blog determinadas informações. Isto justifica, também, o porque não tenho publicado muitas fotos. Contudo, segue uma com uma bela vista do terraço do Theater Freiburg.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Erste Proben

Heute (hoje) cheguei ao ensaio de manhã com meia hora de atraso (später). Acordei 8h da manhã com o celular tocando. Me preparei tranquilamente pois o ensaio começava as 10h. Quando chego na sala estranho estarem todos os colegas de apartamento despertos. Pergunto a hora e dizem: 10h. Como? Olho para o relógio do meu celular e este marca 8h45. Em pânico saí correndo para pegar o Straße Bahn (foto). Cheguei no teatro e corri para a Sitzungszimmer. Abri a porta e estavam reunidos o diretor, assistente, figurinista e o protagonista. Entrei e disse: Tut mir leide!!! Todos me olharam e seguiram trabalhando como se não tivesse ocorrido nada.
Descobri hoje que o protagonista, o tenor mexicano, vai ser acompanhado por uma interprete para o espanhol.  Fiquei um pouco triste com isso. Quero aprender alemão.
Bom, quero falar do ensaio.

Basicamente foi uma conversa. Thomas conversou com o cantor que fará Rigoletto sobre o personagem. Discutiu-se sobre os momentos da peça, sobre o caráter do personagem, sobre os contrastes, conflitos, paixões. Estavam presentes ainda o Dramaturg e uma consultora de literatura italiana.
Thomas acha que Rigoletto tem por prazer assistir as situações de tirania da corte. Joga com estas situações e manipula as pessoas com suas brincadeiras e piadas. Como um bufão, ele tem liberdade para assistir de fora os conflitos, os sistema e debochar e até intervir. Rigoletto pensa que sabe tudo, se sente onipotente. É uma ópera, também, do ponto de vista musical, muito perfeita.
Rigoletto parece muito relaxado o tempo todo em suas brincadeiras, mas, na verdade não é. Esconde grandes e dolorosos conflitos.
Para Thomas, todas as sociedades são pequenas miniaturas.
As sociedades são recheadas de podridão, ressaca, ódio, artimanhas, malandragem e tirania. Em meio a tudo isso, aparece a filha de Rigoletto (GILDA) como um verdadeiro anjo. Um refúgio para ele. Para protegê-la, ele a mantem encarcerada em casa. Pensa ser ela uma presa fácil nas mãos dos vários malandros que o cercam. Ademais, carrega em si um ódio e um conflito enorme por sua deformidade física e também intelectual. Na corte certamente é visto como alguém jamais poderia ter uma esposa bela. Contudo já a teve e esta o amou mesmo com seu aspecto não belo. Esconde da filha a identidade desta mãe e também de si mesmo tendo em vista que a filha não sabe ao certo o nome do pai.
A busca de Rigoletto, e também da filha (Gilda), é pela identidade.
Na ópera, o Duque, chefe de Rigoletto é visto como o ideal sobre o qual Rigoletto se projeta. Um homem rico e belo, mas, sem qualquer tipo de escrúpulo em relação aos sentimentos femininos. Para ele esta ou aquela mulher é indiferente. O que o move é a sexualidade quer ter todas as mulheres para satisfazer um desejo imediato. Ao mesmo tempo, reclama por não encontrar um amor. Este é seu sadismo. Rigoletto conhece esta faceta do personagem e por isso se desespera quando sabe que ele está se envolvendo com sua filha.
Thomas esclareceu que todos os momentos de transformação em Rigoletto são acompanhados de grandiosidade musical e de efeitos e elementos técnicos.
O grande ponto na complexa construção do caráter de Rigoletto e de seu movimento dramático está no fato de que "quando alguém permite que o medo entre se passam as coisas, as tragédias." Thomas

Achei muito interessante a intensa relação do diretor com o Dramaturg e com a consultora de literatura italiana. O tempo todo ambos eram convocados a esclarecer detalhes da obra.

Para todos, há dois lados em Rigoletto:

1) o simpático, clown, leve e feliz;
2) o escuro (dunkel), carregado de pensamentos de morte, o trágico, vingativo, louco;

Ele quer represar suas emoções, mas, não consegue.

Em relação a Gilda, ele a vê como uma criança, mas, ela não é mais uma criança. Ao mesmo tempo é uma vez que é totalmente dependente dele.
Gilda é justamente a responsável por levantar seu ânimo todos os dias. Sua presença o alegra.

Quanto a relação de Gilda com o Duque. Esta se apaixona mesmo antes de vê-lo.
Sua pergunta é "De onde venho?" uma vez que não conhece nem mãe e o pai é uma máscara, um personagem sem mesmo um nome.

Interessante, também, foi acompanhar a fala do protagonista sobre sua visão do personagem. Contudo, não irei publica-la aqui.

Na concepção há ainda uma compreensão de que há um contraste constante entre Rigoletto e a corte. Assim, Sparafucile (o assassino) aparece como alter-ego. Um espelho em que Rigoletto se reconhece, reconhece sua outra face. A relação é semelhante com a do de Otelo com Iago em Otelo de Shakespeare.

Em seguida falou também Fausto, o cantor que faz o Duque e a figurinista apresentou referencias para a construção de figurinos. Como compor um clown, um bobo de corte, um palhaço moderno. Utilizaram referencias de Miky Mause como um clown do mercado, do sistema consumista.

Não sigo com mais detalhes por questões de confidencia em relação ao que ocorre no processo dos ensaios.


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Konzeptionsgespräch


Mein erste treffe mit Tim (Regieassistent oficial) foi ótimo. Logo falei de minha dificuldade com o alemão e ele compreendeu. Disse que o importante era sempre dizer "não entendi" e nunca fazer de conta que entendeu e fazer errado. As coisas nos ensaios precisam ser rápidas.
Tim me apresentou o teatro. Um espaço fantástico. Muito grande e cheio de salas. Me mostrou o setor de cenografia, de áudio, de figurino, o palco (Bühne) (onde um espetáculo (stück) era apresentado). Me chamou a atenção a equipe envolvida nos bastidores. Contra-regra para levar a atriz para a coxia do outro lado. Contra-regra para troca de roupa, para os efeitos, a cabine de luz sendo no fundo do palco e a operadora trabalhando através de uma câmera. Tudo é muito profissional, parece uma empresa, uma fábrica.
No setor de cenografia havia uma sala gigantesca com máquinas e outra com cenários de produções ainda em cartaz, fantástico.
Me mostrou, também, o escritório dos assistentes. Uma sala bem legal com café, escrivaninhas, computadores etc. Uma vista belíssima. Conheci o setor administrativo e cantina também.
No que tange a lingua, creio ter entendido grande parte do que Tim falava. Porém, não tenho certeza de ter entendido corretamente. Tim me mostrou e explicou sobre o livro dos ensaios que contêm o libreto e no lado espaço para as anotações. Explicou que utiliza um sistema de códigos e desenhos para anotar as coisas. Conversamos sobre encenações e óperas. Sobre a modernidade na cena e na atualização de clássicos.
Hoje a noite vamos ter o primeiro encontro como diretor e toda a equipe. Será para a Konzeptionsgespräch.

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A noite, cheguei as 18h. Estavam já todos na Sitzungszimmer. Tim me apresentou à Barbara Mündel, a diretora (Intendaz) do Teatro Freiburg. O cenógrafo havia posicionado suas maquetes e o diretor Thomas Krupa estava sentado na cabeceira da grande mesa.
A Probe começou com uma fala da Barbara Mündel que desejava as boas vindas a todos e elogiava o diretor. Em seguida, Thomas tomou a palavra e começou a falar da sua concepção de Rigoletto para esta montagem.
Falou do universo temático enfatizando que trabalharia com surrealismo. Para ele Rigoletto é um clown e vive como um louco. Usou a metáfora tsuname como sendo o que ocorre na cabeça do personagem. Para ele isto era um universo surrealista. Como se Rigoletto estivesse num hospital para doentes mentais. Para ele, Rigoletto tem dificuldade em se adequar ao sistema e sua busca é pela identidade. Seu conflito está em não aceitar ser o bufão da corte a ponto de esconder sua filha. Há, ainda, uma espécie de desejo erótico pela filha que é mantida no cárcere de sua casa. Nesse sentido, a filha, ao se apaixonar pelo Duque vê nele a utopia da liberdade. Felicidade é estar livre. O Duque para Thomas, é uma utopia ou melhor seria dizer que é um lugar (Raum). Um lugar de liberdade.

Ao apresentar a concepção, chamou a atenção o fato de que um tripé estava instituído. O diretor, o dramaturg e o cenógrafo. Os três pareciam em uma grande sintonia. Thomas disse, inclusive, que o dramaturg era seu braço direito. Quando o cenógrafo falou e nas falas do próprio Thomas, havia um lugar de importância muito grande da cenografia na definição da concepção como se ambos tivessem elaborado aquilo juntos. O cenógrafo deu forma tridimensional e em imagem, das ideias de Thomas sobre o espetáculo. O cenógrafo trouxe várias fotos de onde havia se inspirado e mostrou uma grande maquete em madeira, além de um painel onde haviam fotos da maquete com pequenos efeitos de iluminação. Muito mágico.

Houveram algumas discussões. Os cantores/atores tiraram suas dúvidas e tudo terminou após uma hora de conversa. Após socializamos um pouco nos cumprimentando e nos conhecendo. O protagonista da ópera (Rigoletto) será interpretado por um cantor mexicano. No elenco há uma cantora chilena e dois orientais (China ou Vietnan) os outros alemães.


Beginnen

06.03.2012

9h30 da manhã. Inverno. Tenho certa resistência em sair da cama (bett). Olho pela Fenster e há gelo no chão, lembro das manhãs de inverno da minha infância no sul do Brasil quando levantava as 7h da manhã para ir à escola (Schule).




Antes de sair de casa (FOTO) para mein treffe mit Tim Jetzten in Theater Freiburg ich schreibe das post.
Este é o primeiro (erste) post que irá compor o meu diário de estágio na produção Rigoletto di Giuseppe Verdi no Theatro Municipal de Freiburg. Agora as 11h tenho a primeira reunião com o Regieassistent e a noite o primeiro encontro com toda a produção. Penso que será divertido e muito enriquecedor, tanto quanto já está sendo meu contato com os colegas de apartamento. Depois (danach) posto fotos da casa onde moro. Jetzt ich gehe mich zu bereite.

Guten Morgen