domingo, 19 de fevereiro de 2012

Activ

Lohengrin - Oper de Richard Wagner no Theater Freiburg
lo
Realmente ficou difícil escrever retroativamente sobre o processo. São muitas informações. Mas, vou tentar.

Ensaio do dia 13.02

Trabalhamos com o dueto de Rigoletto e Gilda. Pai e filha se encontram no quarto onde Gilda é mantida "protegida" sob os cuidados de Giovana. Rigoletto acabou de ser amaldiçoado por Monterrone e se encontrou com Sparafuccille. Está transtornado e busca refugio e paz nos braços da filha. Única referência de bondade para ele no mundo uma vez que em sua percepção todos e tudo ao seu redor é sujo, mau, desonesto. Sua filha é um oásis de pureza ainda não corrompido e deseja mantê-la assim.

Na concepção de Thomas, Gilda é uma jovem mantida criança. Seu quarto é um verdadeiro quarto infantil e seu acalanto são as suas bonecas. Contudo, deseja conhecer os prazeres carnais. Esconde revistas embaixo do colchão e no fundo deseja sair daquela prisão.

Após a ária em que Rigoletto desabafa sua angustia, ele entra no quarto da filha que dorme. Inicialmente fazem brincadeiras normais de um pai com uma filha criança. Depois se acarinham e conversam. Rigoletto declara seu amor por ela e seu desejo de proteção. Ela, contudo, quer saber o nome dele, quer saber de sua pátria, quem é sua família. Sua busca obsessiva é por identidade.

Rigoletto fica bastante irritado. Fala de sua esposa diz ter sido ela a unica a amá-lo não se importando com sua deformidade. Mas, lamenta ter morrido.

Gilda deixa escapar que tem observado um certo homem nas suas idas à Igreja. Rigoletto se desespera e chama por Giovana. Esta garante que Gilda está protegida e Rigoletto se despede.

A cena é simples, mas, ao mesmo tempo tem muitos pontos de mudança. O fluxo de ação sofre guinadas bruscas a partir das perguntas de Gilda e, também, das respostas de Rigoletto. Estas mudanças são perceptíveis na música que é marcada por partes aceleradas e intensas e outras lentas e suaves. Thomas buscou trabalhar a percepção destes pontos de mudança e buscou plasmá-los em ação corporificada. O tempo todo seu discurso era: aktiv, aktiv. Ou seja, buscava ação no que os cantores estavam fazendo. Interessante que ação para ele não era fazer coisas. Mas, uma atitude no estar e no fazer. Não saberei descrever aqui, mas, foi muito claro na cena, muito visível. Trata-se, talvez, de uma qualidade de intensão, uma mobilização consciente de todo o organismo psicofísico. Contudo, é concreto, é técnico e muito simples.

Acho muito interessante perceber como o cantor que faz Rigoletto sabe aproveitar bem os elementos de cenografia e adereços para criar seu jogo. Utiliza-se das bonecas, da cama, do lençol, enfim. Cria sua estrutura a partir do jogo com estes elementos todos que estão disponíveis. Esta mesma característica foi suprimida do trabalho da Ária de Gilda quando Thomas diz para ela não recorrer aos elementos, mas, trabalhar numa estrutura simples, apenas ela. Ele dizia para não buscar ajuda dos elementos. Ela sentiu-se desnuda. Mas, este é outro ponto para refletir.

Como já disse, no decorrer do ensaio, Thomas conseguiu tirar coisas interessantes dos cantores. Basicamente sua estratégia foi levá-los ao entendimento da sequência de tarefas e mudanças de intensão. Nesse sentido é interessante relacionar com outra cena, quando o Duque e Gilda estão no quarto e entra Giovana avinda que Rigoletto voltou. A cena não está funcionando e o principal problema, me parece, é que os atores não estão conseguindo compreender a situação. Não conseguem elaborar a imagem da cena. Ou seja, é importante que os atores compreendam o que é a cena no sentido mais amplo disso e não apenas mentalmente, mas, como imagem, como atmosfera, logica de pensamento e ação.

Na busca de Thomas pelo Aktiv. Muitas vezes insistia no Blick. Ou seja, no olhar. Olhe para ele. Olhe para ela. Olhe para o público. O olhar parecia induzir o agir. O aktiv. Nesta cena ficava muito claro a ideia de ação e reação. Algo muito banal para atores, mas, no trabalho com cantores em uma ópera precisa ser o tempo inteiro recordado. Como eles tem a preocupação do canto e do acompanhamento do piano, é muito fácil direcionarem a atenção apenas para isto e para si mesmo. Esquecem, assim, o espaço e o partner de cena.

Fiquei me questionando e refletindo sobre o fato de que ação é como música. É fluxo e transformação. Porque eles conseguem ser vivos na música e não na ação e porque quando a ação se estabelece o canto se torna ainda mais vivo? As vezes, quando estão apenas no canto, é como se fosse vazio. Nada passa, nada atravessa. Aqui um paralelo interessante. Outro dia conversando com o protagonista sobre ópera tradicional e moderna, sobre escolas, estilos etc. Ele disse ser um erro considerar o tradicional diferente do moderno. No tradicional é possível fazer o mesmo que se está fazendo no moderno. Para ele o que se está fazendo no moderno é cantar e atuar buscando que algo passe internamente, buscando ser afetado foi o termo que usou. Talvez, seja esta uma pista para pensar em ação. Algo que ao ser feito te afeta e por consequência afeta quem assiste da mesma forma. Uma ópera sem ação é extremamente fatigante. Assisti Lohengrin de Wagner. Uma grande produção e era notório que eu permanecia atento e envolvido com o espetáculo nos momentos em que não era apenas um cantor cantando no palco.

Voltando a cena. Uma frase de Thomas foi interessante. Ele disse a certa altura: "Isto é um conflito e não uma depressão". Reclamava da falta do Aktiv nos atores.

Sala de ensaio com cenário de ensaio. 
Sala de ensaio.

Estudo de cenografia. Quarto de Gilda.

Estudo de figurino.

Estudo de Figurino.


Probe - Abend - 13.02


O ensaio a noite partiu da página 125 do libreto. O dueto entre o Duque e Giovana. Basicamente, o Duque entra no quarto de Gilda. Rigoletto já foi embora e Giovana é cúmplice. Gilda não sabe ainda que seu amado é o Duque de Mântua, para ela é apenas um estudante pobre da redondeza.

A cena tem momentos difíceis em função da confusão de intensões que tomam os protagonistas. É preciso, também, tomar cuidado para não ficar demasiada erótica ou exagerada no tom.

O trabalho no modo de trabalhar de Thomas, me parece, é o tempo todo descobrir as motivações internas da estrutura da cena. É descobrir as intenções e traduzir a situação que vem sendo trabalhada.


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